segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Ensaio sobre a cegueira

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."
Livro dos Conselhos


Acabei ontem de ler o romance de Saramago "Ensaio sobre a Cegueira".
Para quem não leu, o ponto de partida é uma inexplicável epidemia de cegueira em que os cegos "vêem", não preto, mas branco. A partir daí, Saramago faz uma descrição brutal, mas sublime, do que é a natureza humana.
A maneira de escrever é a de sempre, com um mínimo de parágrafos e nada a demarcar o início das falas; nunca ao longo do livro há uma referência espacial ou temporal, nem mesmo chegamos a saber o nome dos personagens. Pode parecer confuso mas, pelo contrário, a leitura corre com uma fluidez que chega a ser embriagante.
É um livro dramático e que não nos deixa indiferente!



«O Bancário» - Tem considerado o Ensaio sobre a Cegueira como um livro duro. Porquê?
José Saramago - Trata-se de uma situação em que toda a gente cega e, a partir daí, ninguém sabe conviver, onde ir ou o que fazer, porque o mundo está organizado para quem vê. Então, sobem ao de cima os instintos maus, a necessidade de sobreviver contra os outros. Até agora, quem leu o livro está de acordo: é um livro duro.
«B» - O que o levou a escrever um livro assim?
J.S. - Não é fácil dizer porque se escreve um livro, embora este tenha uma resposta simples: o mundo (parece-me que estamos de acordo) não está bem, é terrível. Vamo-nos habituando às coisas más, dolorosas, alucinantes. E perdemos a sensibilidade, a capacidade de reagir às coisas más, de combatê-las. Este livro é, de uma maneira transposta, a metáfora do medo real. Tinha que ser duro, porque o mundo é duro e violento. Foi a consciência desta sociedade que é a nossa que me levou a escrever este livro.
«B»- É um grito de alerta?
J.S.- Não é um grito de alerta, porque os outros não dão por eles. É mais como quem cumpre um dever, uma obrigação. Se penso que as coisas estão assim, tenho que dizê-lo... Como se dissesse: como vamos? vamos mal. Não posso mudar o mundo, por isso a minha contribuição é escrever um livro onde o denuncie. E o leitor irá decidir até que ponto isso lhe interessa.

ANDRADE, Elsa, "Ensaio sobre a Cegueira ou o sofrimento de Saramago" in jornal O Bancário, s/l, 6 de Novembro 1995, pág.10.

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